Parece que agora tudo virou "acidente" no nosso Brasil velho de guerra, até crimes contra crianças e fatos históricos.
"Estão querendo transformar um acidente educacional em um fato criminal", protestou o supervisor administrativo do Colégio São Bento, Mário Silveira, um dos mais tradicionais do Rio, onde um aluno de 14 anos espancou outro de seis, que ficou desacordado no chão, com luxações na lateral esquerda da cabeça e na nuca e um corte na testa.
Acidente? Sim, por inacreditável que possa parecer, a direção do São Bento chamou de "acidente" esta violência contra uma criança praticada na quinta-feira passada, e se limitou a suspender o agressor por apenas um dia.
A entrada no caso da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) irritou o diretor Mário Silveira, que saiu em defesa do agressor: "Esse menino (o suposto agressor) está sendo mais punido do que o acidentado, que está alegre e fagueiro em casa", teve a coragem de dizer.
Não foi o que disse a mãe do menino espancado, a advogada Viviane Azevedo: "Meu filho está com medo até de ir ao banheiro sozinho. Estou grávida de dois meses e não consigo mais dormir. A toda hora ele pergunta se a casa está trancada, com medo de o outro menino entrar e bater nele".
Segundo Viviane, o filho foi agredido durante o recreio quando pediu para brincar com um grupo de adolescentes. Em resposta, um deles o agarrou e derrubou três vezes no chão.
A reitoria do São Bento, como se fosse um caso banal, limitou-se a divulgar uma lacônica nota oficial em que afirma: "A avaliação sobre o incidente levou, num primeiro momento, à decisão educativa de advertir o aluno causador do acidente e aplicar a sanção de suspensão".
Pais de alunos revoltados com a situação reuniram-se no colégio, segunda-feira, para pedir providências. Mas a única que foi tomada até agora, além da suspensão por um dia, partiu dos pais do menino de seis anos, que o tiraram da escola.
Se este fato tivesse acontecido numa escola pública, certamente a direção chamaria a polícia e o agressor já estaria na Febem. Como se trata de colégio de gente fina, a preocupação maior não é com o menino agredido, mas com a repercussão na imprensa que pode "manchar o bom nome" do São Bento.
Por que estranhar que chamem de "acidente" um crime contra menor indefeso, se o ex-presidente da República José Sarney, atual presidente do Senado, teve a coragem de também chamar de "acidente" o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, cassado por corrupção pelo Congresso Nacional, ao justificar a retirada de um painel numa exposição fotográfica?
Menos mal que Sarney percebeu a mancada e voltou atrás no dia seguinte, mandando recolocar a foto que ilustra um dos mais graves e vergonhosos fatos históricos do país. A direção do Colégio São Bento, no entanto, continua achando que está certa e o caso deve ser encerrado.
Belo exemplo que está dando para os seus alunos, no momento em que tudo está virando apenas "acidente" em nosso país.
Deve ter sido apenas um "acidente" o assassinato de quatro líderes rurais nos mesmos dias em que a Câmara aprovava um novo Código Florestal, que anistia os desmatadores.
Deve ter sido por "acidente" que alguém depositou uma inexplicável fortuna na conta do ministro Antonio Palocci.
Deve ser por "acidente" que deputados da base aliada chantageiam o governo para faturar na crise.
Se o caro leitor tiver conhecimento de outros "acidentes" do gênero, pode escrever para o Balaio, não se acanhe. Afinal, prevenir "acidentes" deste tipo, ou acidentes de verdade, é dever de todos.
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